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CESARE BATTISTI
quarta-feira, 2 de dezembro de 2009
Xenófobos e Palafreneiros
Nativos e Imigrantes
Assim como não existe culpabilidade coletiva, tampouco existe virtude coletiva. Os povos não são pessoas, e o fato de pertencer a uma determinada cultura, país, nação, ou qualquer outro grupo que social que não implique identidade ideológica, não marca os membros desses grupos com determinados méritos ou obrigações. Por exemplo, eu não me sinto nem um pouco culpado de que meus tetravós napolitanos fossem membros da Camorra lá por 1850 e apoiaram a monarquia em Nápoles.
Entretanto, quando os governos assumem a representação do passado de seu país, devem manter o respeito com outros governos que representam ou acreditam representar gerações passadas de seus próprios países. É claro que o governo Cubano não precisa estar reconhecido ao governo americano por ter ajudado na guerra contra Espanha, porque seu objetivo foi criar um laço de dependência com a Ilha quase tão brutal como o dos espanhóis, e Cuba é agora uma sociedade nova. Quem deve agradecer é a colônia cubano-americana de Miami.
É um problema complexo a determinação de identidade entre culturas. Entre tanto, sendo que a mentalidade da direita é antropomórfica, é justo que lhe cobremos coerência. Se os britânicos se sentem identificados com seus compatriotas do passado e os americanos também, então os britânicos nacionalistas devem estar reconhecidos aos Estados Unidos que os ajudaram durante a Segunda Guerra.
No Brasil, o governo não é herdeiro das elites do passado (mesmo que tenha alguma contaminação), mas é representante de uma massa popular com identidade implícita ao longo de gerações (escravos, camponeses pobres, retirantes, favelados) unidas por causas comuns. Reivindicam o direito ao trabalho, á terra, a moradia, à comida, à educação e à saúde, e se defendem do racismo, do genocídio seletivo e da marginação.
Foi este povo que abriu espaço para que, com seu trabalho quase gratuito, e suas condições miseráveis de vida, pudessem florescer as classes médias imigratórias que surgiram nas cidades ou nas regiões mais favorecidas do campo, se miscigenando eventualmente com os pobres, mas, em geral, mantendo sua cultura fechada. Assim aconteceu com os europeus, abundantes no sul e sudeste, com alguns asiáticos de países mais desenvolvidos e com as culturas de Oriente Médio.
Alguns dos nossos ancestrais (não todos) podem ser cobrados por ter “feito América”, mesmo com seu trabalho e destreza, com base na exclusão dos nativos do Brasil. Estes poderiam ter convivido de igual para igual com os imigrantes, se tivessem recebido um trato humano e oportunidades de progresso, o que, por sinal, ainda está longe de acontecer.
Brasil e Itália
Muitos dos imigrantes italianos vinham ao Brasil fugindo da miséria criada pela apressada industrialização da Europa, os conflitos da unificação, e algumas ondas de fome. Eles foram vítimas das elites italianas e não representantes delas. Mas, uma parte significativa progrediu em território brasileiro, tornando-se, por sua vez, uma elite intermédia ou eventualmente alta, enquanto outra parte (talvez maior) se manteve em situação de dependência trabalhista, mas, mesmo assim, em melhores condições que os nativos e os portugueses pobres.
Desta segunda parte surgiram movimentos importantíssimos, como o anarquismo, diversas formas de socialismo e humanismo, e as tendências de esquerda que se combinaram com as de outros imigrantes avançados (anarquistas espanhóis e portugueses, comunistas judeus), e criaram um clima para o desenvolvimento de forças populares com ideologia própria. Por sua vez, estas pessoas se miscigenavam com pouca dificuldade, o que se adverte na existência de vários afro-descendentes com nomes de famílias europeus.
Enquanto isso, as classes médias e altas mantinham saudosamente sua conexão com a pátria, participavam às vezes dos rituais promovidos pelas embaixadas, e evitavam em geral a miscigenação com não europeus. Nos anos 30, parte expressiva da comunidade italiana importou os ressentimentos e traumas sociais de seus ancestrais e os juntou com o renascimento dos rancores belicistas do continente, ajudando de maneira preponderante a criar o fascismo brasileiro. O Integralismo foi o xodó de Mussolini, que o protegeu quando foi a parte perdedora da briga inter-fascista, e seus chefes deveram se exilar a Itália.
Para mentes minimamente esclarecidas, o valor ético das pessoas não podem ser medido por uma avaliação estatística da sua nacionalidade: isso se chama racismo ou xenofobia, tanto faz. Se Afeganistão tiver 80% de colaboradores do Talibã, isso não autoriza a chamar “terrorista” a qualquer afegão.
Mas, os setores nacionalistas acham que são portadores de certos valores “nacionais”, que, por acaso, sempre são superiores aos das outras nacionalidades. De fato, para os que estão nas antípodas do esclarecimento (fascistas, chauvinistas, classistas, racistas e outros “istas”) a melhor maneira de ofender um grupo de inimigos é ofender sua raça, sua nacionalidade, sua origem, para degradar a todos os que compartilham essas características. É uma ofensa idiota, dirigida contra uma abstração, mas produz um efeito terrível nas massas alienadas que lhes obedecem: elas começam a tomar cada membro dessa nacionalidade, raça, etc., como um inimigo.
Isto foi o que o governo, a diplomacia, a classe políticas, as elites, e parte da população média da Itália, fizeram em relação ao povo brasileiro, ou seja, ao Brasil, excluindo os brasileiros que se identificaram com seus valores revanchistas. No começo do caso Battisti (e ainda hoje), a panela delinquencial mafioso-fascista-stalinista tentou humilhar os membros do governo e da classe progressista brasileira.
O Ministro do STF Marco Aurélio de Mello encontrou 10 grupos de insultos dirigidos por aquela máfia jurídico-política aos políticos, magistrados, intelectuais, populares, e até as mulheres brasileiras. De alguns, todo mundo se lembra, de outros não, mas não vale a pena continuar lembrando aquelas baixarias. Deve-se, porém, aproveitar-se a lição por elas brindadas.
Atualmente, no site petition on line, há um abaixo assinado com mais de 500 assinaturas, exigindo a extradição de Battisti, elogiando a política genocida “antiterrorista”, afrontando de maneira irreproduzível o governo e o Ministro Tarso e, sobretudo, dando total apóio a Itália. Entre outras sandices, sugerem pedir perdão ao país do Dante, fazer autocrítica, e bobagens análogas.
Há pessoas com todo tipo de sobrenome, mas um terço ou mais parecem de origem italiana. Muitas deles devem ser jovens, de modo que os representantes da cultura italiana que conhecem são, no melhor dos casos, seus avós. Deve lembrar-se, falando neste assunto, que o embaixador italiano no Brasil tinha ficado surpreso porque a comunidade de origem italiana não reagia na defesa de “seu país”. Será que este circo do abaixo assinado de reparação é pouco? Será que pretendiam a formação de fasci de combatimento para matar membros do PT, do PDT, do PSOL e de outros?
Além da intenção agressiva, tudo isto carece de lógica. Eu nunca me perguntei que tenho a ver com meus ancestrais napolitanos que lucravam, como toda e elite da época, com a miséria dos camponeses. Mas se achasse que o fato de ter sangue peninsular nas veias é documento suficiente para me estimular uma ideologia dessa natureza, o correto seria deixar este país de sambistas e dançarinas, e me radicar em Roma, Milão ou algum outro lugar. Claro que, quando descobrissem que não era italiano, mesmo tendo sobrenome e biótipo europeu, acabaria arrebentado como quaisquer outros estrangeiros… Ora, não será que o fascismo dessa massa de linchadores vale esse sacrifício?
Na prática, os fascistas e seus admiradores, mesmo pacíficos, são as pessoas mais difíceis de recuperar (embora não seja impossível), como fico demonstrado no pós-guerra, especialmente na Alemanha e na Noruega, onde os esforços feitos para que as pessoas superassem seus traumas de guerra foram muito maiores que em outros países.
Por isso, este artigo não tem a pretensão de discutir com eles. Mas, o que vale a pena é salientar a atitude de Itamaraty, que, apesar de seu tradicional “pan-amiguismo” é pelo menos uma instituição técnica séria. O MRE não se pronunciou, que eu tenha percebido, em nenhum momento, contra as obscenidades brutais daqueles bersaglieri. Não se tratava de defender a pátria, qualquer que seja o que isso significa, mas as pessoas concretas que, como o Ministro da Justiça, adquiriam um forte compromisso de defesa dos direitos humanos, e foram alvos das baixarias dos peninsulares.
(http://www.consciencia.net/?p=1261)
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